O papel da liderança em tempos de pandemia

Flávio Padovan*

Liderar é uma arte que poucas pessoas conseguem desempenhar com efetividade, especialmente em momentos de crise. Torna-se ainda mais difícil quando enfrentamos uma turbulência sem precedentes, uma pandemia com efeitos devastadores na economia global. A arte de liderar envolve atrair e engajar colaboradores em torno de projetos e objetivos atuando de forma positiva no desenvolvimento profissional, com atitudes e comportamentos adequados e aderentes à cultura da organização.

Dentre as principais competências e habilidades de um líder estão: comunicação clara e objetiva, respeito com as pessoas, disciplina, carisma, e principalmente, a capacidade de influenciar pessoas para construir uma estratégia vencedora e conquistar a confiança da equipe. Eu costumo usar o ato de pilotar um avião como exemplo de como praticar uma boa gestão e liderar as iniciativas para levar a empresa a atingir os resultados esperados.

O trabalho do líder começa com um bom planejamento. Ou seja, partimos sempre do desenho de um bom plano de voo para chegar com sucesso e segurança aonde se pretende. Um bom plano estratégico se embasa em um conjunto de informações valiosas e em estudos que passam por análise e projeções macroeconômicas, mercado, segmentações, produto, serviço, estratégia de preço e modelos de comercialização. Além, claro, de projeções para os resultados no curto e no longo prazo. Para tanto, deve-se levar em conta as oportunidades, mas também os riscos e as ameaças. O ato de voar ou de comandar uma aeronave segue esta mesma lógica.

O plano de voo leva em conta todas as variáveis e os obstáculos a serem vencidos, ou seja: a localização de partida e de destino, a duração da viagem, as condições meteorológicas em rota, como manter a aeronave na altitude e velocidade adequadas, sempre em segurança e no espaço de tempo desejado. Quando o equipamento está com a manutenção em ordem, o tempo bom e o céu azul e sem nuvens carregadas, o voo costuma ser tranquilo e sem intercorrências. Dentro da cabine de comando, o dashboard, ou painel de instrumentos, mostra todos os reloginhos com os indicadores dentro do previsto e estabilizados, velocidade e altitude corretas, temperatura e pressão adequadas, nível de combustível, tudo perfeito.

Nesse caso o comandante pode ligar o piloto-automático e ficar atento, mas absolutamente tranquilo porque a chance de acontecer algo diferente do planejado é mínima, ou quase zero, desde que um bom planejamento tenha sido feito e a execução do plano de voo siga fielmente aquilo que foi planejado. No entanto, quando no meio do caminho chega uma tempestade ou uma pane aparece, de repente a situação muda totalmente e é este o momento de comprovar se o dashboard tem todos os medidores, indicadores e os recursos necessários para o controle da aeronave. E é nesse momento que a competência, o preparo e a experiência do comandante e de sua tripulação são colocados à prova para que se consiga controlar a situação e evitar o pior.

E agora o que fazer? Qual seria um bom roteiro a seguir quando enfrentamos uma crise?

Os 5 pontos principais para um líder ter sucesso em sua gestão:

1 – Confiança

O elemento essencial para uma liderança efetiva é a confiança. Além do conhecimento e da experiência, um bom líder precisa estabelecer uma relação de confiança dentro de sua organização. Como o comandante poderia ariscar-se a voar se ele não confiar na competência e no compromisso da equipe de manutenção? Como ficar com a porta da cabine fechada se ele não confiar que a tripulação está fazendo o trabalho e cuidando para que os passageiros ou que os clientes sejam atendidos e estejam tranquilos. Por isso, é necessário construir uma relação de confiança em rede, ou seja, tanto internamente, com os colaboradores e as equipes, como com todos os stakeholders: fornecedores, governo, distribuidores e consumidores.

 2 – Priorização & Tomada de Decisão

É essencial tomar as decisões corretas, no tempo certo para evitar a perda do controle, e manter o foco nos itens realmente importantes. Também é importante sustentar a disciplina com uma agenda que respeite tempos e prazos das atividades planejadas. O planejamento e o cumprimento da agenda permitem usar melhor o tempo e concentrar os esforços e o foco nas questões estratégicas e na execução do plano definido e, economizando o desgaste com ações emergenciais, do tipo “apagar incêndio” que causam dispersão e não agregam valor ao resultado.

3 – Comunicação

Comunicar de forma clara e objetiva o plano ou a ação a ser tomada para que a equipe saiba exatamente o que precisa ser feito. O engajamento de todos no processo é absolutamente essencial para o sucesso da operação e a comunicação com a torre de comando é crucial em todo o tempo. A comunicação é uma via de duas mãos, portanto é importante saber (e praticar) ouvir e buscar dentro da organização e fora dela as informações relevantes para alimentar os estudos e as analises para a tomada de decisão.

4- Execução perfeita

Cuidar para que a execução seja feita de acordo é tão importante quanto definir o plano estratégico pois de nada adianta ter um bom plano se ele não for executado de acordo e o resultado não aparecer. Figurativamente falando, o plano de voo pode ter sido muito bem feito, mas se o comandante e a tripulação não seguirem os passos definidos no processo e não ajustarem os controles adequadamente, tudo pode dar errado e a chegada no destino conforme o planejado ser seriamente comprometido.

 5- Foco na solução

A equipe precisa estar focada na solução, nunca no problema, e evitar distrações com assuntos que não pertencem ao escopo da questão. Foco é fundamental. Além dos conceitos tradicionais e desses atributos intrínsecos e essenciais para uma liderança efetiva e uma boa gestão, a pandemia nos traz outros desafios em que outros fatores e habilidades são primordiais.

O que estes cinco pontos trazem, em resumo, é uma mensagem simples: Tenha sempre um bom plano de voo e esteja preparado para lidar com as turbulências e com as tempestades no meio do caminho. Além destes aspectos que citei, o momento exige muita atenção e um olhar voltado para a sustentabilidade. É preciso observar atentamente as mudanças dos ventos, as novas tendências de comportamento dos consumidores e as necessidades do mercado. É hora de rever a matriz de negócios, de reinventar e procurar novos caminhos.

A pandemia provocou mudanças significativas no comportamento dos consumidores, o que causa impactos importantes na competitividade dos negócios. Dentro desse novo contexto o principal papel do líder é proteger o fluxo de caixa da empresa, propiciar um ambiente fértil para a inovação e acelerar a transformação digital. Para introduzir a cultura da transformação digital, um bom gestor precisa saber falar de Ebitda, mas também sobre inteligência artificial. Ou seja, introduzir o pensamento digital na empresa. Irão sobreviver as empresas que tiverem a orientação para a diversidade e para a inovação. Clayton M. Christensen, professor na Harvard Business School, criou a teoria da Inovação Disruptiva e escreveu em seu livro O Dilema da Inovação:

“O pior lugar para desenvolver um novo negócio é dentro do seu próprio modelo de negócio.”

Portanto, temos que ter cuidado com os competidores assimétricos, aqueles que através da cultura da diversidade e da inovação identificam oportunidades de negócios promissoras em setores diferentes do seu ambiente natural. Como exemplo, podemos citar o Google, uma empresa do setor de serviços em tecnologia, que investiu em uma jornada para a criação de um carro autônomo, o que na época chocou a indústria de automóveis tradicional. Eu não poderia deixar de falar sobre a importância de manter o foco nas pessoas pois, motivadas e engajadas são elas que irão promover os grandes movimentos, afastar a crise e desbravar novos caminhos rumo ao sucesso.

Finalizo citando uma frase do executivo Alain Bejjani, CEO da Majid Al Futain, um grande conglomerado de empresas no ramo de entretenimento e varejo com sede nos Emirados Árabes:

“As pessoas que você lidera têm grandes expectativas em relação a você. Elas querem que você seja perfeito e muitas vezes esquecem que você é humano. Mas quanto mais humano você é com elas, mais confiança e empatia elas lhe concedem.”

*Flávio Padovan é sócio da MRD Consulting.