Atacar o INEP é como matar o mensageiro

Por Ricardo de Jesus*

O nosso sistema educacional é completo e confiável no que diz respeito à base de dados, compilada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável também pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). É um erro atacá-lo, porque cumpre seu papel com competência que é subsidiar a formulação de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo com o objetivo de promover o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Não cabe ao instituto, portanto, a execução de projetos que nos ajudem a sair desse profundo fosso. Por isso, o ataque do presidente Jair Bolsonaro ao Inep é como matar o mensageiro.

Primeiro porque não resolve o desafio de destinação dos recursos atuais do setor e para onde os investimentos são destinados. O ensino superior acabou se mostrando uma escolha equivocada. Apostamos em resultados de curtíssimo prazo e os recursos foram destinados a universidades federais, sistemas de financiamento estudantil universitário, vide o FIES, e de renúncias fiscais, caso do PROUNI. O desempenho em relação ao tamanho do problema foi insignificante e deixou à margem um contingente cerca de 6 vezes maior de crianças e jovens da educação básica sem recursos para investimentos.

Esta reversão de investimentos teve uma mudança drástica a partir de 2019 com a troca de governo e o redirecionamento de recursos para a educação básica, mas ainda carregamos um custo muito maior proporcionalmente na educação superior. Os dados do INEP referente ao ano de 2019 mostra que foram destinados à Educação Básica cerca de 58,3% do orçamento anual para atender 47,8 milhões de alunos (84,8%), enquanto a Educação Superior recebeu 41,7% dos recursos para atender 8,6 milhões de alunos (15,2%), o que demonstra que há uma desproporção gigantesca que reduz as chances de melhoria de resultados em exames nacionais e internacionais dos alunos da educação básica e representa uma âncora ao crescimento do país.

É evidente a necessidade de mudança da gestão dos recursos para que possamos buscar melhores resultados comparativos fazendo com que mudanças sejam implantadas imediatamente visando criar desafios possíveis para professores, coordenadores e profissionais do setor para que possamos reduzir o gap que temos atualmente em relação a outros países que conseguiram mudar suas realidades, em um passado não tão longínquo.

No setor público, é necessária uma gestão que privilegie investimentos corretos que atendam a maioria da população e que possam produzir uma difusão do conhecimento numa base maior de pessoas, e que seja capaz de dar acesso à educação técnico-profissionalizante que possa gerar riquezas para o país, ao invés do reforço na educação superior feita por empresas que contratam universitários recém-formados, que passaram por uma formação de baixa qualificação, como vemos hoje.

Assim, não nos falta métricas que sinalizem adequadamente não só o que pode, mas o que deve ser feito, para melhorarmos o desempenho de nossos alunos na absorção de conhecimento, desenvolvimento de raciocínio e do uso de ferramentas de aprendizagem para que tenham autonomia em suas vidas e, desta forma, contribuam para um país melhor. É um círculo virtuoso.

Parâmetros para avaliação do sistema

No que diz respeito à execução das políticas, temos parâmetros pelos exames de proficiência, sejam internos ou externos, para que possamos avaliar resultados em relação a outras escolas, municípios, estados e países. Nesse caminho, os mais relevantes são o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica); o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio); e o PISA (Programme for International Student Assessment).

É por meio dessas referências que podemos verificar a qualidade de nosso sistema educacional e como estamos quando comparamos os resultados de nossos alunos com os demais jovens de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  E o constatado é que estamos mal.  

Na comparação interna entre os sistemas público e privado, vemos a diferença entre os resultados, sendo a educação privada muito melhor avaliada. Podemos observar ainda como somos pouco exigentes com as metas definidas para melhoria de desempenho do sistema público. São objetivos fracos e pouco desafiadores.

No âmbito internacional, os resultados do Pisa 2018, última edição realizada, mostram que os estudantes brasileiros obtiveram uma pontuação abaixo da média da OCDE em Leitura, Matemática e Ciências. Apenas 2% dos estudantes alcançaram os níveis mais altos de proficiência (5 ou 6) em pelo menos um domínio (média da OCDE: 16%). E 43% dos estudantes obtiveram uma pontuação abaixo do mínimo de proficiência (nível 2) em todos os três domínios (média da OCDE: 13%).

No Brasil, o desempenho médio em Matemática evoluiu entre 2003 e 2018, no entanto, essa evolução se concentrou nos ciclos iniciais do Pisa. Depois de 2009, o desempenho médio não mudou significativamente. E chama atenção para como o nível socioeconômico foi um forte preditor do desempenho também em Leitura e Ciências, além da Matemática.

Para se ter uma ideia, em Leitura, o desempenho de estudantes em vantagem socioeconômica superou em 97 pontos (média da OCDE: 89 pontos) o de estudantes em desvantagem socioeconômica. No Pisa 2009, a lacuna no desempenho em Leitura, relacionada ao nível socioeconômico, foi de 84 pontos no Brasil (média da OCDE: 87 pontos).

Quando comparamos nossos dados aos demais países vemos como estamos longe de atingir um nível de aproveitamento adequado, e, como esse desempenho acadêmico está ligado ao desenvolvimento do Brasil no rumo de se tornar uma potência econômica. É somente através da conversão do potencial humano que teremos riqueza se constituindo na prática. Nesse sentido, continuamos patinando enquanto outros deslancham.

E os países mais ricos não estão necessariamente à frente nos resultados dos exames. Verificamos pelos dados que os países asiáticos, notadamente a China, apresenta o melhor desempenho, bem como outros países do continente como Coréia e Japão. Isso é explicado por uma visão mais alinhada com um projeto de longo prazo destas economias, sendo a educação o foco da estratégia de desenvolvimento destas nações.

*Ricardo de Jesus é especialista em Gestão, mestrando pela EAESP-FGV e sócio da MRD Consulting.