Os IPOs e o day after

Marcos Rodrigues*

A onda de abertura de capital das empresas brasileiras é um fator positivo para o mercado nacional. O movimento alavanca o desenvolvimento econômico, pois ganham as empresas, que passam a contar com mais uma forma de captar recursos, e ganham os investidores, que obtêm mais opções de diversificação de seu portfólio.

Somente este ano, até junho, ocorreram 27 estreias de empresas na Bolsa. Até o fim de julho, outras quatro novas devem ingressar, atingindo apenas no primeiro semestre o número de IPOs registrado em todo o ano de 2020. E as perspectivas são otimistas. A CVM até o dia 08 de julho registrava 38 registros de ofertas primárias de ações e 28 de secundárias. O movimento indica que é possível superar o recorde de 2007, quando foram ofertadas 64 companhias, movimentando R$ 55,6 bilhões.

Demanda no mercado para tal movimento há. O número de pessoas físicas na B3 cresceu 92,1% em 2020, chegando a 3,23 milhões. E a tendência positiva continua. Atualmente, são 3,77 milhões de CPFs cadastrados. Apesar de tamanha pujança, em termos percentuais da população, o número ainda é reduzido: menos de 2% e há muito o que crescer. O Brasil ainda conta com menos de 500 companhias listadas na Bolsa, um número muito pequeno perto do tamanho da nossa economia.

Neste movimento recente, muitos dos novos integrantes da Bolsa pertencem à chamada Nova Economia e estão abrindo caminhos para outros trilharem. Isso também leva ao crescimento do mercado de private equity e venture capital porque tais fundos acabam vendo possibilidade de saída. 

Transparência é condição

Mas é preciso lembrar que a emissão de ações é apenas o meio de uma longa jornada de estruturação dos negócios. Antes de abrir o capital é essencial estar pronto a dividir com os novos sócios as decisões a serem tomadas, seguindo todo o princípio de transparência. É necessário formar um Conselho de Administração apto a direcionar o rumo estratégico da empresa e por aí vai.

Toda a transformação deve ser bem estruturada e fazer parte dos alicerces da empresa. Não basta apresentar somente balanços auditados ou cumprir um check list de exigências legais, afirmando que tem governança para convencer o investidor. Ao contrário, a governança é feita de princípios e, por isso, precisa fazer parte da cultura da empresa, principalmente dos sócios-fundadores.

Mesmo assim, ter governança somente não basta. As novas ingressantes se deparam com um mercado muito mais exigente, em que o segmento máximo de governança corporativa, o Novo Mercado, deixou de ser algo especial para ser praxe entre as companhias mais recentemente listadas. A pandemia apenas acelerou o processo e a importância das práticas sustentáveis nos campos do ambiental, social e da governança, que formam a sigla ASG.

Muito além do marketing

As empresas vêm buscando evoluir e o maior cuidado é distinguir o que é um ASG de verdade e o que é um ASG de marketing. A sigla se tornará um selo para as ações, assim como foi o Novo Mercado e este é um caminho sem volta. O passado foi marcado por empresas falando que eram por fora, mas por dentro nada tinha mudado. Quais práticas vão ser exigidas no tema social, ambiental? O que é suficiente? Quais são as práticas reais que as empresas precisarão fazer para se considerar ASG? Isso vai ser definido pelo mercado. As empresas devem entender que só falar bonito não funciona mais. Até porque logo são rebatidas.

A princípio, o IPO pode ser visto como o atalho para as companhias conseguirem alcançar seus objetivos e, nesse sentido, podem ir ao mercado mesmo sem estar completamente estruturada, para ganhar musculatura depois do aporte. Podem até aceitar valer menos para não mudar sua estrutura de governança. Porém, sempre tem o dia seguinte e é no day after que a governança será cobrada. Seja de forma mais rápida ou mais lenta, quem não atender as exigências, sofrerá a penalidade.

*Marcos Rodrigues é sócio da MRD Consulting e um dos fundadores da BR Rating.