Pandemia acelerou ações ESG na logística, mas é só o começo
Marcos Rodrigues *
Se mesmo numa situação limite como a pandemia, na qual a principal preocupação era a sobrevivência das empresas, houve crescimento das iniciativas da chamada agenda ESG (Environmental, Social and Governance) no campo da logística, tudo leva a crer que a retomada de um nível mais próximo da normalidade na atividade econômica trará ainda maior intensidade para as ações nesta direção. O impulso para esse movimento, que parece ser sem volta, virá de duas direções; O maior nível de conscientização sobre os benefícios para a humanidade de uma atuação neste sentido e a pressão de investidores, consumidores e todo ecossistema que interage com as companhias envolvidas no segmento.
O mais recente alerta sobre essa perspectiva foi dado pela publicação do estudo : “Estado da Sustentabilidade da Cadeia de Abastecimento 2021”, elaborado pelo Centro do MIT para Transporte e Logística, em parceria com o Conselho de Profissionais de Gestão da Cadeia de Abastecimento (CSCMP). Após entrevistar 2400 profissionais da área, os autores do trabalho detectaram que, para 83% dos participantes a Covid-19 acelerou as atividades relacionadas ao conceito de sustentabilidade da cadeia de suprimentos (SCS) em suas respectivas empresas.
Entre as reflexões apresentadas se destaca ainda a percepção de que o combate às injustiças sociais e a mitigação das mudanças climáticas terão uma conexão direta com a lucratividade das empresas nos próximos anos.
O que se espera da dimensão ‘E’ ?
Não é surpreendente que o cuidado com o meio ambiente, representado pela letra E na sigla ESG seja a dimensão que concentra as maiores expectativas em termos de evolução. Reduzir cada vez mais as emissões de poluentes e promover a qualidade do ar são desejos óbvios, mas considerados apenas iniciativas básicas.
Em sua cartilha intitulada; “ A Trilogia da Responsabilidade” , na qual avalia justamente os caminhos do ESG no setor de transportes, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) oferece três colunas de sustentação para direcionar as iniciativas das empresas. São elas:
- Transportar com a máxima eficiência
- Usar a energia mais limpa possível
- Transportar com responsabilidade
Felizmente, nesta dimensão a tecnologia tem oferecido soluções eficientes. Para ficar no básico, há hoje inúmeras empresas que lançam mão de plataformas que possibilitam uma gestão mais eficiente com o monitoramento de rotas, por exemplo. Elas indicam os melhores caminhos para os veículos de entrega, reduzindo gastos com combustíveis, consumo dos componentes dos veículos, pneus por exemplo, e emissão de poluentes.
Outra prática bastante disseminada é a chamada neutralização de carbono, técnica utilizada no âmbito da compensação de emissão de gases do efeito estufa (GEE). Um crédito de carbono representa a não emissão de uma tonelada de carbono na atmosfera. Para fazer a mensuração de quantos créditos de carbono vão ser gerados, deve-se comparar os cenários antes e após a alteração feita. Um sinal da movimentação desse mercado vem da Climate Bonds Initiative (CBI), que estima emissão global, em 2020, de um montante de US$ 257,5 bilhões (cerca de R$ 1,35 trilhão) em títulos de dívidas voltados ao ESG, um crescimento de 36% em comparação ao resultado de 2019.
A urgência do avanço na dimensão S
Enquanto o E é cercado de glamour, uma análise mais profunda sobre a situação do social revela uma realidade ainda longe daquilo que pode ser chamado de boas práticas.
Um dos aspectos a serem melhorados é condição de trabalho do profissional de logística. Segundo o Painel de Acidentes, elaborado pela CNT entre 2010 e 2020, o Brasil registrou 1.424.281 ocorrências apenas nas rodovias federais. Desse total, 8,3% (118.309) podem ser associados a questões de saúde dos motoristas, como sono, mal súbito ou ingestão de álcool e outras drogas.
Esses transportadores rodoviários são responsáveis pelo deslocamento de 60% das cargas no país e consequentemente os avanços na direção de melhores práticas para eles já teria um impacto significativo considerável no que se refere dimensão social do setor .
O avanço na questão social passa também por outras questões como:
- Valorização da diversidade
- Combate à exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas
- Redução de impactos negativos para as comunidades à beira das estradas, entre outras.
A dimensão G como fiadora do avanço
É fato que tanto os consumidores, quanto investidores e formadores de opinião de todos os níveis ficaram mais consciente e passaram a exigir mais das organizações quanto aos seus avanço na agenda ESG. Esse novo comportamento jogou luz e separou aquelas empresas que buscam realmente as melhores práticas sociais, ambientas e de governança daquelas que se restringem apenas a cumprir às obrigações visíveis e por outro lado abusam do marketing.
Neste sentido, o desenvolvimento de uma política adequada na dimensão da governança (G) é o que fará toda a diferença e fornecerá as bases para o avanço significativo nas demais esferas do ESG.
É na abordagem da governança que as empresas estabelecem suas regras, políticas internas, estabelecem os órgãos de controles, definem métricas de avaliação, metas e decidem como desenvolverão suas estratégias.
Neste sentido, a constituição de conselhos profissionais de administração agindo com transparência e responsabilidade para transmitir de forma clara a intenção da companhia em evoluir nas práticas ESG deveria estar nas primeiras posições da lista de prioridades, certamente antes das iniciativas marketeiras e desconexas de um planejamento estratégico sério.
O roteiro neste sentido inclui Ética Empresarial, Código de Conduta formal, Transparência Tributária e outros instrumentos de controle.
Com o fim da pandemia, a adesão da cadeia logística à agenda ESG se tornou ainda mais essencial. Não só para a sobrevivência dos negócios, mas também para o avanço na direção de um relacionamento mais equilibrado e preocupado com as futuras gerações .
*Marcos Rodrigues é sócio fundador da MRD Consulting e da BR Rating.